Os dias que têm de ser

Este é o dia. O verdadeiro e mais significativo. Aquele que de uma forma maior deveria dignificar a condição de ser-se crianças. Por aqui tem sido a maior e melhor, a mais compensadora das experiências. A única que me permitiu realmente ver-me de verdade, quase de forma externa como um outro que não eu. Como mulher, somo ser humano, como pessoa que emprestou os seus genes a outro alguém que os grita diariamente em pequenos detalhes nos quais reparo porque são meus. Um sorriso rasgado, um olhar matreiro, um certo humor, uma determinada ironia, uma curiosidade sem tamanho, uma vontade permanente de viver o mundo.
São inúmeros os motivos pelos quais sou uma acérrima defensora dos direitos das crianças mas dizê-lo quase parece dizer que sou pela natureza e animais (embora não seja vegetariana ou naturista), contra touradas ou pena de morte, contra o terrorismo e a favor do direito à liberdade de expressão ou a um ensino e saúde público de qualidade... Daí que siga pelo caminho mais básico, é o principio, todos os princípios devem ser o mais “perfeito” possível sob pena de jamais se poder “remediar” o mal já feito. Agora é aplicar a analogia da casa à vida futura que desejamos (ou deveríamos) para as nossas crianças, que já andam a estudar para ser adultos! 
Tem sido assim: 
O tempo para estar e a disponibilidade com prazer sem culpa das tarefas deixadas por fazer, por CUMPRIR. Deixá-lo sentir de verdade o afecto que inquestionavelmente lhe temos, a alegria com os seus sorrisos e risos, descobertas complexas ou outras ainda mais elaboradas, como a vida da formiga no seu carreiro de certezas e objectivos, ou a coisa da minhoca horrível que se transforma em borboleta e que, ainda por cima voa e é linda! 
As memórias sensitivas que irá guardar destes momentos, os restos das lembranças e explicações elaboradas sobre coisas que simplesmente não têm explicação e que um dia recordará com sorrisos primeiro envergonhados, mais tarde doces e mais tarde ainda saudosos. A devota e inesgotável paciência e o amor infinito, a eterna protecção do colo, do abraço e do coração que me saiu do peito no mesmo momento que nasceu, exactamente no mesmo segundo. 
O apoio, a amizade. O prazer de apresentar o mundo pelos nossos olhos mas deixá-lo ver com os dele. Mostrar os valores e princípios sem débitos desconexos e meramente retóricos. Deixar perceber, integrar, dar espaço para absorver no seu tempo e com um método que muitas vezes só ele entende. A sua própria natureza, aquilo que tem de mais precioso, a sua singularidade, individualidade, a sua alma. 
Explicar coisas grandes com frases pequenas, às vezes cantadas e dançadas a preceito, “em cada esquina um amigo, em cada rosto igualdade”, “liberdade pra dentro da cabeça” É que hoje fiz um amigo, E coisa mais preciosa no mundo não há(...) Guardei um amigo, Que é coisa que vale milhões”, “ Imagine all the people, Living life in peace” ... e por aí fora que a vida e a música às vezes parecem um só.  
Perceber, aceitar, valorizar a identidade sem egos ou vaidades, necessidades de um reflexo sem espelho, vaidoso e cheio de orgulhos supostamente relevados pela “ignorância bruta e cega” da maternidade. E sem expectativas, as recônditas e algumas vezes (mal) dissimuladas expectativas, muitas vezes reflexo de aspirações não alcançadas ou sonhos por viver que não são os deles mas os nossos ou, pior ainda, dos padrões que esta sociedade esquisita vai impondo aqui a ali, de forma descarada ou encapuçada.
O perceber, aceitar e respeitar como um indivíduo com vontade, gostos e certezas que por vezes nascem connosco e com eles sem que as consigamos explicar, como os cabelos ondulados, espessos e numerosos ou o sinal na parte de trás da perna esquerda que tem desde sempre. A necessidade do seu espaço, tempo e liberdade para ser o que é e não o que achamos que é ou queremos que seja.
E a verdade. A verdade sobre nós todos e sobre cada um de nós, sobre ele e sobre as coisas e a natureza das coisas. A verdade das pessoas e dos sentimentos, dos afectos e desafectos. Sobre as relações entre as pessoas, as perdas e as “coisas de adultos” que supostamente não compreendem. E ficar ali ao lado até a verdade ser, tanto quanto possível, sinónimo de compreensão e entendimento. 
Tem sido assim e todos os dias são diferentes, e o afecto é maior e maior o terror de não cumprir um único desejo, que ele seja feliz hoje e sempre. A única coisa que peço é que com saúde e alegria aprenda a ser feliz, encontre um caminho bonito e pouco tortuoso para lá chegar e que me vá dizendo, (às vezes muito baixinho já no meio de um sonho sobre dragões ou súper heróis), mamã sou tão feliz...

Obrigada filho, tem sido uma aventura maravilhosa.

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